Quando a Justiça parte da Natureza...
O enredo
Um frio tênue continua a pairar sobre a Ilha de Guaiaó nesta
Primavera. Foi bem aqui, nesta pequena ilha ao Sul do Atlântico, que os
colonizadores chegaram às terras conhecidas pelos índios, antigos
habitantes destas terras, como Enguaguaçu.
Que, em tupi-guarani, quer dizer Enseada Grande. Recebidos pelos
nativos com espanto e curiosidade, responderam à bala a qualquer
tentativa de aproximação. Os relatos dos historiadores são claros ao
narrar a chacina que dali se seguiu.
O
genocídio não poupava as crianças ou os velhos. Era preciso estabelecer
ali, naquelas terras "selvagens" e povoadas de "pagãos", a primeira
vila do país conquistado. Para dali extrair suas riquezas e enviar de
volta à coroa colonizadora seus quinhões. E o verde da mata se tingiu de
vermelho...
O
mesmo vermelho que tingia o tronco do Pau-Brasil, madeira tão valiosa
para o escambo que não tardaram a derrubar florestas. Milhas e milhas de
floresta virgem eram destruídas em nome do crescimento econômico da
colônia. Afinal, era preciso expandir as cidades...e garantir a
continuidade da extração de riquezas. E o verde da mata se tingiu de
marrom...
O
mesmo marrom que hoje colore a terra infértil e os rios das metrópoles.
Leitos aquáticos que outrora davam peixes, mas que a poluição
transformou em lodo e esgoto. Hoje inundados com os dejetos pútridos dos
moradores, que trabalham incansavelmente para manter o crescimento
econômico das cidades, extraindo petróleo das profundezas da Terra, para
que o colonizador receba os quinhões a ele devidos. E a areia da praia
se tingiu de preto...
A música
Em
junho de 2010, programamos algumas bases rítmicas sobre divisões
tribais com 100 BPM, com o foco nas batidas cardíacas do ser humano. Maurício pediu a André que cantasse o que lhe viesse à mente. Mergulhando nos
primeiros layers de percussão, a letra e a melodia surgiram de sua boca
em um único take, gravado numa das poucas noites frias do Inverno aqui no Hemisfério Sul.
No
arranjo, concordamos utilizar os instrumentos e
vozes afinados com base na escala musical pitagórica, com a nota A = 432
Hz, ao invés dos 440 Hz habituais. A mensagem da letra,
percebemos durante a edição, está dividida sob quatro óticas (vozes)
diferentes.
A
primeira dessas vozes é a da própria Justiça, que traz a Liberdade para
os povos escravizados, na forma da vingança. Não a vingança dos homens,
oferecida sob o peso de suas leis e julgamentos. Mas a revanche, a
reviravolta praticada pelas leis naturais, teologicamente simbolizada
pela Justiça Divina, que representa a reação para toda ação, a inefável
consequência de nossos atos.
Ela
(a Justiça) traz o fogo em suas mãos, simbolizando a chama da
consciência. A consciência que se fará conhecer - seja pelo amor, seja
pela dor. Seja porque aceitamos o nosso destino, seja porque sofremos
tentando mudá-lo. Só a consciência oferece a salvação.
A
segunda "voz" é a fala do povo subjugado. Que sofre enquanto aguarda
por uma solução para o seu destino. Mas não perde as esperanças e
consegue resgatar o seu contato ancestral com o Sagrado Feminino na
forma da Justiça, despertando, assim, essa força sobre eles. Eles são os
"little ones" (pequeninos).
A
terceira é a voz do xamã, do sábio, daquele que, se não atingiu o
estado máximo de iluminação, ainda assim é capaz de estabelecer uma
ponte entre o divino e o profano. Ele surge como o mensageiro, aquele
que tem as visões, vislumbres do que está por vir. É ele quem vê a chama
da consciência transformando o opressor, consumindo sua alma para que
perceba as suas faltas e tenha a oportunidade de corrigi-las,
transformando, dessa maneira, a si mesmo e ao meio.
A
quarta e última, é exatamente a voz daquele que oprime, do que comete
injustiças contra seus irmãos. E que, inevitavelmente, verá surgir no
horizonte o sinal das consequências de sua ambição desmedida, de sua
luta desesperada por poder. Poder sobre o outro, porque é incapaz de
manter controle sobre si mesmo. Este personagem é revelado pela
conjugação verbal irregular de algumas frases da letra da música, o que o
identifica como um "estrangeiro", aquele que não fala a língua ou não
conhece a fundo os costumes do povo ao qual subjuga.
O
que é positivamente surpreendente - e aí entra o papel do lirismo na
letra - é que, mesmo sabendo que, sob a espada da Justiça ele terá de
abandonar os velhos preceitos e escolhas inúteis que provocaram dor e
sofrimento em seus semelhantes, ele é capaz de reconhecer a chama da
consciência trazida pela mão do aspecto vingativo da Justiça. E, ao
final, se entrega, se deixa consumir pelo fogo da virtude, para renascer
em uma nova etapa da escala evolutiva. E compreende que só aceitando a
inevitabilidade da "morte" é que se renasce para a consciência de
eternidade.
"É
claro que a letra aqui não trata da morte física propriamente dita, mas
sim a "morte", o fim dos moldes, formas, aspectos de nossas
personalidades que não precisamos ou não desejamos mais. E, a fim de ser
cercado pelas "luzes superiores", como diz a canção, devemos encarar
essa "morte" não como a perda de algo vital, mas como a transformação de
uma forma velha para uma totalmente nova. Uma revitalização!", explica
André.
"Para
alcançarmos essa revitalização, é necessário que nunca desistamos de
nossos ideais. E que combatamos a injustiça com vigor dentro de nós,
para que ela não passe mais a existir fora de nós. Somente a honra de
uma intenção pura, a mais linda das jóias, será capaz de desfazer os nós
que atam os homens em sua insensatez", afirma Maurício.
O vídeo
Todo
processo criativo depende de uma série de fatores. Internos, como
ânimo, intenção, objetivo, desejo, humor; e externos, como críticas,
sugestões, experiências, vivências. Nós, do HI-BRAZIL, respeitamos cada
um desses sinais como colaboradores do processo artístico. E os
misturamos à massa com que moldamos, com muito carinho, nossas pequenas
"esculturas" digitais.
No
caso do projeto Don't Give Up!, não foi diferente. Com a fluidez de um
rio que se esgueira por entre as pedras de uma montanha, cada peça do
quebra-cabeças foi se encaixando com a sutileza de uma flor de lótus ao
desabrochar. Nada foi imposto, nada foi medido. Tudo apenas fluiu, como
teria que ser.
Excertos
de reportagens televisivas, documentários e até mesmo jogos de
videogame são os responsáveis pela narrativa. Misturados a imagens
captadas pelas câmeras e iPhones de André e Guacymar, eles formam o
intrincado e incontestável enredo de que trata a música.
"Desmistificando a dúvida", como prefere dizer Guacymar.
"A
música já estava pronta havia um ano. Ela esperou pelo momento exato de
ser revelada, passou por um tempo de maturação até que alcançasse a
dimensão das imagens. E o resultado é um encontro avassalador entre
passado e futuro. Moldando o presente...", conclui.
Não Desistam!
Não desistam, pequeninos
Não desistam, pequeninos
Trarei a vossa vingança
Com o fogo na minha mão
Trarei a vossa vingança
Trarei a vossa vingança
Não desistam, não desistam!
Não desistam, não desistam!
Eu vos trarei a minha vingança
(E nós vamos obter a nossa vingança)
(Nós estamos em suas mãos, ela vai trazer luz superior)
Ela virá da montanha
Com os cabelos ao vento
Como a chama de vulcões
(Eu sei que ela virá, eu sei que ela virá)
Ela virá
E os seus pés "é" tão destrutivo
Ela vai abrir o mar
(Pequeninos, não desistam)
Todo o sangue que ela levará
(Eu trarei pedras)
(Ela "traz" luz superior)
É pelo ... amor de ... para o resto
(Eu vou trazer o fogo)
(Com as pedras na mão)
Não desistam, fiquem juntos
(Vou trazer pedras)
(E o fogo chegou ao fim)
Não desistam, fiquem juntos
(Com o fogo vem o fim)
Não desista!
(Com o fogo vem o fim)
Com o fogo vem o fim
Com o fogo vem o fim
Não desistam, não desistam
Fiquem juntos, bem juntos
Um só coração, um só coração
(Pequeninos, pequeninos)
Um só coração, um só coração
(Pequeninos, pequeninos)
Eu não posso dizer mais nada
Tudo está oh ... tão longe, tão longe
É tudo ilusão novamente
Ela vai fazer tudo ... ela vai fazer tudo
(Eu trarei, pequeninos)
Ela vai fazer tudo novamente
(com os fogos eu desisto)
Ela vai fazer tudo
(ela vai queimar sua alma)
novamente
(Eu desisto!)
(sim, ela vai)
Ela vai construir sua vida novamente
Não tenham medo
Pequeninos, pequeninos
Ela irá ajudá-los
Ela me disse:
(É tudo o que vejo)
Todo o ar é fogo!
(uma palavra, é o fim)
Todo o ar é fogo!
(uma palavra, é o fim da sua vida)
Se esqueça de ser!
(Não deixem que façam isso com vocês!)
Sua vida está terminando agora
Sua vida está terminando agora
Sua vida está terminando agora
Abra o seu coração
Você verá as luzes superiores
Surgindo em seu self!
(Não desistam, pequeninos, não tenham medo)
Ela virá!
Ficha técnica
Composição de letra e música + vocais: André Luiz Salibi
Arranjo + produção + execução + finalização + arte da capa: Maurício Businari
Elaboração + produção + execução do vídeo: Guacymar Mazzariello
Agradecimentos: Internet + Internautas
HI-BRAZIL 2011
hibrazil@mac.com